terça-feira, 22 de março de 2011

Insensível, insensível...

Entro no restaurante e me sento no banco junto ao balcão.

Peço um guaraná (tentando encontrar o hábito de não tomar bebidas alcoolicas enquanto o sol ainda estiver a pino)

Na televisão suspensa no alto, ao canto esquerdo do balcão, o jornal noticia uma nova contabilidade dos mortos na tragédia ocorrida no Japão.

Faço constar aqui, pois, uma deliberada ponderação sobre o modelo vigente em estatísticas do gênero, que ausentes de todo e qualquer coorporativismo, não dão nota nem números especiais a estes que, dentre os mortos, contam como estetísticos (ex-estatísticos, em todo caso) ou funcionários do meio.

Mas penso nisso menos como medida humorada (ainda que me paute pelo humor mais que pela precisão realista) que na observância líquida e cirúrgica dos fatos que me convém, tal que a atualização da contagem de mortos não me faz restar mais comovido ou chocado com o acontecido.

Enfim, a coisa foi mesmo feia.

Do meu lado direito, então, ouço uma criatura efeminada comentando com outro (ou outra, sabe-se lá...) a respeito da tragédia no continente asiático - tomando lembrança, em recurso, da outra que se abateu recentemente sobre a região serrana do Rio de Janeiro:

- 2011 é ano solar. Ano de desencarnação em massa...

- Meu deus! - Eu penso comigo mesmo, ainda que seja ateu e a companhia dos meus próprios pensamentos seja tão desagradável a mim quanto é ao meu provável leitor.

- Devia ter visto que era um restaurante macrobiótico antes de entrar... - Concluo.

E de repente, os vinte e tantos mil mortos pelos quais choram outros tantos milhões de vivos parecem-me dispor de importância menor que uma asneira qualquer dita por um Walter Mercado gafapastas da zona sul carioca.

Eu devo mesmo ser uma dessas almas penadas que veio ao mundo apenas para sentenciar a regra de que a raça humana, definitivamente, não presta.

Que se foda!

Pago as minhas contas.

Não tem nem Obama que me queira dar lição de moral e não ouça um palavrão como resposta.

Morrer afogado, afinal, não deve ser tão pior que engasgado com uma azeitona ou esmagado por uma senhora gorda caída do sétimo andar (ou, ainda, alvejado por um projétil mercenário de um soldado norte-americano lá onde o inglês nem direito chegou)

Defendendo-me - sob o risco de parecer ainda mais cretino - relatando que, algumas horas depois, comprei um salgado numa pastelaria de chineses na rua da Glória.

(Pra variar, tava uma merda).